20 de outubro de 2009

André – Uma foca em minha casa (baseado em fatos reais)

Em meados dos anos 90, um filme conquistou a criançada cinéfila de plantão. André – Uma foca em minha casa se passava na zona portuária de uma cidade minúscula da Inglaterra. A foca protagonista conquistou o pequeno Toni, que com muita esperteza conseguiu adotar o animal e impedir que ele virasse atração de circo.

Bom, essa história aconteceu na Europa, sendo que o que o filme não contou e ninguém sabe, é que a foca André, 10 anos mais tarde, fugiu da cidadezinha inglesa e veio se refugiar do frio na região litorânea da costa brasileira, mais especificamente na grande Rio de Janeiro. A viagem foi cansativa, mas tão logo aportou em águas cariocas foi muito bem recebida e conquistou a todos que, muito embora, não acreditassem em seu destino feliz, achavam-na uma gracinha, simpática e muito inteligente.

A foca decidida e muito bem adestrada por Toni, logo se viu na condição de adulta, mesmo aos 17 anos, e tinha que a partir daí, que escolher seu futuro e desenhar como gostaria de viver. Havia várias possibilidades, trabalhar em circo (no sistema de escravidão); no Zoológico, sendo remunerada apenas com alimento; não trabalhar... mas o bicho inteligente parecia que tinha cérebro, e mais tarde ele ia provar isso a todos. Decidiu entrar numa universidade e trabalhar como foca num jornal, afinal de contas, as melhores focas das redações, garantem os cargos de editoria, os mais quistos do veículo. Para isso André precisava se destacar.

Muito sabido, o animal que já havia estudado inglês por 10 anos e arranhava um pouquinho espanhol, tentou vestibular para as melhores academias da cidade. UFRJ, UERJ, UFF... mas, por mais que fosse inteligente o suficiente para levar o curso, nenhuma delas o aprovou. A precariedade do sistema público de ensino superior era evidente, mas ele teve que lutar na escala de 42 candidatos por vaga na UFRJ pra seguir a carreira de jornalismo, não conseguiu. Na UERJ, não conquistou a vaga, por não se definir como negro, isso quase 50 anos depois da tese Hitleriana do arianismo e o darwinismo social terem sido postos em cheque, e completamente abatidos da Terra, no pós 2º Guerra Mundial. Mas não havia como ele convencer o reitor que aquilo era irracional e ignorante, e que ele não podia ser penalizado por conta de pecados abolicionistas da época do Império.

O governo brasileiro até chegou a testar os conhecimentos dele através do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), a média nacional na época não chegou nem a 4, enquanto o esperto André, tinha alcançado nota média quase no patamar de 9, o que não levou-o a lugar nenhum, além de gráficos estatísticos vergonhosos usados pelo IBGE, para medir a burrice da juventude brasileira e a uma matéria exatamente sobre o desempenho dele na revista Guia do Estudante, da editora Abril. André ficou desapontado, mas naquelas circunstâncias, nada lhe restava além de se matricular numa universidade particular. E foi partir daí que o coro resolveu comer, e uma série de incoerências e absurdos começou perseguir a foquinha, que mal sabia na época as regras que vigoravam na CLT.

Entrou numa primeira universidade em Realengo, próximo de seu lar, que despendia do orçamento mensal da residência onde ele vivia R$412,00 mensais. O curso era fraco, por vezes não tinha aula e sequer a informação de em qual sala ela seria ministrada. O MEC, uma espécie de conselho que analisa entre as coxas a qualidade do ensino no Brasil, não tinha dado ao curso uma boa nota naquele ano, mas não havia outra escolha. Meses depois, conseguiu estágio numa empresa, mas não tolerou a universidade e preferiu mudar pra outra melhor. Já na segunda universidade André conheceu pessoas novas, mas o que ele não esperava é que ela, batizada por uns e outros como Grana Filho, em referência às altas taxas praticadas, iria despender por mês mais de R$700,00 do bolso daqueles que lhes bancavam.

André e seus entes próximos foram até a reitoria da fundação, para tentar angariar algum desconto hipóctra de 10 ou 15%. Em vão. Naquele mesmo ano, o governo federal, botaria em vigor um projeto chamado ProUni, o que atingiu diretamente à classe média baixa, que não tinha como pagar os setecentos reais por mês, mas que era obrigada a fazer isso caso quisesse realmente investir em EDUCAÇÃO. Ganhavam bolsas integrais pessoas legais e interessadas, mas também aquelas perdidas e que tiveram um ensino médio, pré-universitário, precário, na Escolinha Municipal Carla Perez.

A foca, perdida, atônita pela cidade, não sabia mais o que fazer, e para sua surpresa, sua historia nem tinha começado. O ensino superior no Brasil estava decadente (ainda está) e o que ela não esperava aconteceu. O jovem universitário teve que agüentar dias de greve na universidade, que era particular, mas não tinha vergonha na cara e respeito com seus funcionários, chegando a atrasar os salários em três meses, sem qualquer justificativa.

Tudo bem, tudo bem. André nessa época, até tinha conseguido um estágio na própria instituição, continuava se destacando e convencendo àqueles que ainda duvidavam que ele seria uma ótima foca de redação. Recebia uma bolsa medíocre de 30%, mas não desanimava. O sonho de ser jornalista não lhe saía da cabeça.

Chegou a fazer doze disciplinas no mesmo período, e conseguia conciliar tudo, tirando boas notas e sempre sendo elogiado por onde passava. Mas talento no Brasil é cocô. O negócio agora era fazer curso de Petróleo e Gás, a modinha do momento, afinal a Petrobrás, tinha descoberto Tupi, em Campos e eles estavam precisando de pessoal para tirar petróleo do pré-sal há dois mil e caralhada quilômetros de profundidade. A jovem foca não tava nem aí pro petróleo, e continuou no ramo da informação. Até que um dia, já no finalzinho de seu ciclo acadêmico conseguiu um estágio do governo, no IBGE, simmmm o governo finalmente tinha ouvido as preces de socorro de André e sua carreira.

Ele se dedicou, inovou no estágio, se destacou e aprendeu horrores, mas o governo federal decidiu criar uma lei em favor do estagiário, QUE EXCELENTE! Entretanto demorou uns três meses para botar a lei em vigor e escrever o que ela deveria obrigar. O que aconteceu? O contrato da foquinha que durava seis meses e estava pra ser renovado, foi embargado por conta da lei, que proibiu que órgãos públicos renovassem contratos de estágio até nosso congresso bater o martelo. André perdeu o estágio 3 meses antes do programado, lá ele ganhava R$367,00, menos de um salário mínimo, que ele gastava em transporte, basicamente, de ida e volta pro trabalho.

Triste e abatido, André perdeu o emprego e aproveitou para se dedicar à monografia. Mais uma vez ganhou destaque e conseguiu grau 10 na apresentação. O coordenador do curso não titubeou, como prerrogativa usou a elegância do jovem, pegou a listinha de telefones, fez uma carta de indicação para ajudar André a entrar num jornal de verdade e enfim conseguir sua tão esperada vaga num impresso. O jovem se formou finalmente e seis meses mais a tarde a bomba! “Supremo Tribunal Federal veta a obrigatoriedade do diploma para exercício do jornalismo”, ou seja, qualquer boçal ganhou o direito de escrever qualquer coisa em qualquer jornal, o governo acabava de atestar no Supremo que o diploma de quatro anos de estudo serviu-lhe para porra nenhuma. O aprendizado nesse tempo, pelo menos, ficou guardado com André.

Mais os meses se passaram... Ninguém mais acreditava em nada, até que André sempre curioso e correndo atrás, conseguiu ser aprovado na UERJ, no programa de pós-graduação. Que felicidade a do menino!! André estava muito feliz, afinal não ia abandonar os estudos e a chance de conseguir uma vaguinha como foca de redação que ele tanto queria. Mais uma vez o governo não estava do seu lado, ele tinha conseguido uma vaga em faculdade pública, mas havia boleto bancário! Como assim? Simmmmm, 16 parcelas de R$380,00. E mais dinheiro era investido na carreira da foca.

Finalmente em abril, depois de zilhoes de entrevistas, André conseguiu entrar para o Jornal do Brasil, aquele de grande renome há 50 anos atrás, esse mesmo! Escreveu matérias, foi meio tolhido, mas chegou a ser capa do caderno cidade de domingo, roubando atenção de editores executivos do jornal, que começaram a acompanhar seus textos e elogiar frequentemente seu trabalho. Os meses se passaram e André conseguiu a tão esperada vaga de foca, o que não imaginava, é que o jornal estava realmente semi-falido, moribundo no mundo da imprensa, e seu trabalho simplesmente não seria remunerado. “- Como pode?”, questionou o rapaz.

O agora recém-formado parou, pensou, arregalou os olhos, bateu as nadadeiras e pôs-se a chorar. A foquinha tinha descoberto que tinha ido parar naquele lugar tão horroroso que Toni não queria que ela fosse. Descobriu que o Brasil, aquele país lindo cheio de sonhos, aquele que enfrentou a crise mundial como uma marolinha, aquele que tem a maior floresta tropical do mundo, era o próprio circo. E que a população brasileira eram aqueles animais maltratados pelos domadores.

A partir daí, tudo fez sentido pra André. Ele começou a entender porque os animais eram tão abandonados pelo IBAMA que deixada o tráfico de silvestres rolar solto, entendeu porque a cidade do Rio e as grandes metrópoles nacionais sofriam com a violência urbana, afinal existiam alguns selvagens não domesticados espalhados por lá. Teve uma aula de democracia e justiça com Zé Dirceu e Zé Sarney e ainda uma aula de empreendedorismo com Sérgio Cabral e a Cidade da Música. A educação no Brasil não era levada a sério, porque se destacar em prova do governo e perder vagas pra pessoas com menores desempenho por serem negras, lutar contra 42 concorrentes pra ter aula em sala quase sem teto e em prédio sem água, pagar e enfrentar greve, perder um estágio porque a lei não havia sido escrita a tempo, passar pra pós em faculdade pública e receber um boleto bancário no ato da matrícula e estudar quatro anos e obter um diploma desvalorizado seis meses depois por se tornar não obrigatório pelo STF é algo que poderíamos tranquilamente assistir num espetáculo de circo, e levar nossas crianças pra se divertir. Seria cômico senão fosse trágico.

Final da história: Toni está muito triste na Inglaterra longe de André, André está lutando em outro jornal sem remuneração e correndo riscos. E a educação no Brasil? Esta se encontra internada, num leito do Souza Aguiar, não agüentou o sufoco, o pouco caso do governo e de sua negligência frente aos sintomas graves que a acometeram nas últimas décadas. Foi internada às pressas num UPA da vida, mas teve que esperar a assistente social achar uma vaga num hospital maior, o diagnóstico: metástase, tumores no corpo todo, da creche ao ensino superior. O pior é saber que ela está nas mãos da saúde pública que também anda enferma.

16 de outubro de 2009

Amam-me e não sei corresponder

Muito já li sobre amores perdidos, platônicos ou frustrados,

Não sei bem o que é amar, tal quanto sei o que é ser amado.

Amo de menos, me amam demais.

Que coisa estranha num mundo individualista,

cheio de mentes perspicazes e insatisfeitas

buscando o amor que não vem, masoquista.

Estranho comentar que irritado fico

por nem sempre saber retribuir o que sentem por mim.

Ahh o amor, o nosso amor é um, os dos outros parece maior,

mais perdido, mais infame, sem fim.

Já amei mais que fui amado, mas já fui amado mais que amei,

se na primeira me debulhei em lágrimas,

na segunda em lágrimas me afoguei.

É difícil não ser correspondido,

mas soa estranho não corresponder.

Me amam e não sei o quanto dói

naquele coração que reluta pra me esquecer.

Se um dia eu amei, hoje eu sou amado.

Se me frustrei sem querer, não amo,

mas deixo o outro magoado.

Chorei e hoje sou motivo de pranto, de lágrimas,

de melancolia e insatisfação.

E senão chego a tal ponto, sei que incomodo, não correspondo,

não me atiro nos braços daqueles que me amam em vão.

Muito embora não esteja certo,

não lhes tiro os olhos nem lhes nego a mão,

Não deixo de dar os abraços apertados de perto,

nem lhes dou um empurrão.

Não é sadismo. É uma carência tolhida e reprimida,

interiorizada nos cantos mais sinuosos das válvulas de meu coração.

E se já reclamei por não ser amado um dia,

hoje agradeço aos votos com nem tanta alegria,

aos que amam tristonhos e vos peço perdão.



Por André Luiz Barros