Outro dia fui assaltada. Estudante de jornalismo. 20 anos. Classe média. Sempre estudei em colégio particular. A universidade, infelizmente, também é particular. Flamenguista apaixonada pelo Maraca. Não sou de farra. Não sou da night. Se os amigos chamarem até topo um baile funk. Não dispenso um samba. Carioca, sabe como é, né?!? Ano passado estive pela primeira vez numa quadra de escola de samba. Só este ano conheci a boemia da Lapa e fui “até o chão” num baile funk. Jornalista tem que conhecer essas coisas. Sempre saí de carro com o papai e de ônibus com a mamãe e a irmã. Há alguns meses comecei a encarar o centro da cidade sozinha. Estágio novo, o primeiro fora da segurança da faculdade. Pra que contar isso tudo se a crônica sobre o dia em que fui assaltada? Pra mostrar que pra ser considerado brasileiro e principalmente carioca o indivíduo precisa de alguns requisitos:ir ao Maracanã, ao samba, à Lapa e o mais importante, ter sido assaltado. Pronto, finalmente completei o ciclo.
Vocês devem estar pensando “ela deve ter sido assaltada numa dessas saídas”, “olha o lugar que ela diz frequentar...”, “é flamenguista e vai ao Maracanã, deve ter sido algum dos bandidos da torcida do Flamengo” . Não, não, não. Nada disso. Fui assaltada no metrô. Meio de transporte bonito, em que até executivos andam, esse mesmo.
Na verdade eu fui furtada, apesar de para mim a diferença entre assalto e furto se resumir ao lugar em que cada palavra se encontra no Aurélio porque nos dois casos nos tomam algo. Voltando a “historinha”. Eram 5 e pouca da tarde quando cheguei à estação da Uruguaiana, como sempre faço entrei na fila para comprar um bilhete da integração metrô-trem que custa R$3,60. Pois bem, bilhete na máquina e cartão do trem no bolso embarquei no metrô completamente lotado (como de costume, aliás). Eu não sei se vocês já andaram de metrô a essa hora, mas do jeito que você entrou, você fica. Se estiver ajeitando o cabelo, vai ficar com a mão pro alto; se estiver olhando pra baixo, nem adianta querer mexer muito a cabeça; e estava eu com uma mão segurando a bolsa e a outra tentando me segurar em um dos ferros. Naquela confusão senti alguém mexendo no bolso de trás da minha calça. A princípio pensei “deve ser impressão minha, tá cheio aqui, alguém deve tá tentando se acomodar melhor”, foi quando me dei conta que a pessoa estava insistindo naquilo e meu segundo pensamento foi “que droga, tem alguém passando a mão na minha bunda” (me desculpem o vocabulário, mas foi o que pensei). Foi então que decidi tentar chegar um pouquinho para o lado, mas a pessoa cotinuava. Com muita dificuldade abaixei a mão e a pus no bolso e pra minha surpresa: onde estava meu cartão do trem?!?!? Isso mesmo acreditem, tinham me roubado o cartão do trem. Minha primeira reação foi dar uma risada, aquilo não podia ser verdade. Um cartão de trem roubado, e era unitário, nem era daqueles com várias passagens. Olhei para o lado, vi que um rapaz me observava e quando o encarei ele desviou o olhar. Tinha sido ele. Olhei mais uma vez e dessa vez ele abaixou a abeça. Estava certa, tinha sido ele. Pensei em gritar. Gritar pra quem? Gritar o quê? “Roubaram meu cartão!Roubaram meu cartão!!!”. Me perguntariam “cartão do banco?cartão de crédito?” e eu responderia “não, a passagem do trem”. Com certeza as pessoas iam rir de mim e nada fariam.
Conferi se meu pendrive que estava no mesmo bolso estava lá. E estava. No outro bolso meu celular também intacto. O “bandidinho” só tinha roubado isso mesmo, um cartão de trem. Provavelmente não conseguiu alcançar os outros objetos. Provavelmente iria procurar outro bolso, ou bolsa se tivesse mais sorte, para roubar. Afinal ele não tinha nada a perder. Provavelmente, assim como eu, a próxima “vítima” não reagiria. Como eu disse ele não tinha nada a perder. Ali só havia trabalhadores, gente voltando pra casa depois de um dia cansativo de trabalho, gente que também não teria muita coisa nos bolsos. Quem sabe alguns trocados ou um celular seria o saldo final daquele cara. Repito, ele não tinha nada a perder.
Quando dei por mim já estava na Central do Brasil. Já ia descendo quando um homem me pediu pra ajudar um senhor cego que iria pegar o trem. Eu estava revoltada, pensei em não ajudar, mas como podia negar ajuda num caso daqueles e respondi “sim, claro”. Ainda bem que aceitei porque foi aí que percebi que ainda há gente de bem no mundo e que o Rio é um lugar de gente boa. Eu precisava contar pra alguém o que havia acontecido e me queixei para o senhor “acredita que me roubaram a passagem do trem?” Foi quando ele me respondeu “não tem problema, minha filha, eu tenho direito a passar com um acompanhante, como você me ajudou vai até a roleta comigo e passe também”. Fiquei surpresa, não sabia o que responder. Parecia que etava me aproveitando do velhinho. Eu disse “imagina, não precisa, eu deixo o senhor lá e vou pra fila”, mas ele insistiu “não precisa ficar com vergonha, é meu direito passar com um acompanhante”. E eu fui, né, já estava atrasada para minha aula de espanhol porque neste dia havia saído mais tarde do estágio. O motivo? Estava participando de uma manifestação pela paz, isso mesmo, pedia paz no dia em que fui vítima da violência urbana. Pedia paz porque uns dias antes o Rio, cidade maravilhosa, de praia, carnaval e futebol, chorava a morte de mais um João, um menino de apenas três anos morto em mais uma ação equivocada de nossa polícia. O “bandidinho” nada de me fez, graças a Deus. Mas poderia ter feito, afinal, bandido (ladrão de “galinha” ou de milhões, que esconde o rosto ou que usa farda, o que é chefe da “boca” ou o que tem conta na Suíça, não importa) não tem nada a perder! Agora, posso dizer que de verdade “eu sou carioca”.