22 de março de 2009

Minha Lapa


Ahh a Lapa.. o bairro mais boemio do Rio.. regado a história, destilado, seco, quente e frio. Desenhado por botequins, bares, casas de espetáculo, pleno em cultura, de artista e oráculo. Cheio, muito cheio, de mauricinhos e patricinhas gatas, viados, vadias, mulatas. A burguesia insana freqüenta o lugar e joga o resto de seu banquete a elite faminta que vagueia sem lar. Perdida sem rumo pelas ruas ladrilhadas e firma residência na esquina ou nas calçadas. A Lapa cheira a malandragem, a negritude preta e a juventude rulez, às cédulas de real e ao troco da vez. Aquela gente toda rodando perdida, chegando de copa do táxi ou do subúrbio do busão, com sede de entretenimento, de gozar a vida no fervo do bem-bom .
Os casarões antigos, frágeis, mal conservados ajudam a criar o que há de melhor na Lapa: a aliança do antigo com o contemporâneo, do velho e o novo, da criança, do camelô e do idoso. O som é meio confuso, a música ritmada consegue ao travesti agradar ecoa junto com a batida forte e seca do taco na bola preta da mesa de sinuca do bar. A tia do cachorro quente irrequieta vende feliz aquele bom pão com linquiça frita que junto com a cachaça batida e encorpada do tio da barraca da frente dá aquela queimada no estômago da galera farrista, queimada dura, dolorosa, masoquista. Dor.. que dor gostosinha e incomoda.. a dor que garante ao faminto sedento a noitada serena e louca vir a tona.
A praça meio cinza meio delinqüente, une as incertezas do futuro da cidade, cheia, repleta, rica e carente, bonita, entupida, lotada de zé ruelas que esbanjam boemia e vaidade. Os arcos pintados de um imundo branco, exala uma fragancia mixada de jean poul gutier, mijo e maconha, desperta a ânsia da moça que calça tamanco e mata o peguete que a chamou pra sair de vergonha. O cheiro da Lapa.. único, fede ao odor forte e embriagante do cotidiano, da noite vulgar e apimentada no centro da cidade, do estilo de vida conturbado e urbano, da vida sem preconceitos e vivida com intensidade.
No cantinho a menina pobre vende bolin balls e faz da voz um auto falante, o vigário passeia em volta da igreja, na mesma calçada que o pastor prega sozinho a palavra cristã protestante. A tia Zefa canta seu ponto pro cabloco e vende suas guias de contas na barraquinha sem teto. Sentir o calor humano, aquela cultura popular, marginal e erudita, lúdica, nos traz arrepio, afinidade e afeto. É possível tocar nos exlcuidos com a mão, aperto a agitação do lugar com os dedos, sinto na pele a energia acumulada daquelas vielas, sua história, seu anseios e medos. Piso em terra firme e esburacada feliz, cada buraco dali tem uma história, uma vida própria, passo cansado, abatido, tampando o nariz mas dando a mão a palmatória. O pecado, a felicidade, a harmonia, o equilíbrio mais desequilibrado de todos é o que pode ser encontrado ali. A puta de salto alto procura um cliente, o honda civic até pára contente, mas pra deixar o turista inglês que poupudo salta do carro pra consumir a carne brasileira, encorpada, polpuda, à baiana, à mineira..
A menina grita, os trilhos do bonde de santa teresa enferrujados pingam como um conta gotas, gotas da chuva do dia anterior. Gotas.. de cerveja e de cuspe com restinhos do gelo que vasa do isopor. A visão é linda. Aquela confusão de pessoas, de sotaques, de batidas, de ritmos e tribos, de gente, de povão, de burguesia acanhada e de lixo no chão. Que brega! Que chick! Olhar aquela gente reunida, euforica, suada, bêbada e embriagada naquela ruazinha estreita, me faz ver que a vida vale a pena e usufruir dos cinco sentidos é uma dádiva brilhante e perfeita. Salto agulha, tennis, chinelo... a calçada suja grita de alegria, cheia de latinhas e guardanapos usados, melecados de ketchup e mostarda Sadia. Entre uma fenda vejo em ponto de ataque o tímido e atordoado cansaço, escondido, anestesiado com o cachimbo de craque, consequencia da juventude vítima de fraqueza e fracasso. A sujeira linda, encroada no cimento garante aquela visão deslumbrante de coisa usada, de manhã o sol disfarça o mal tempo de noite a lua seca a pele suada. O território onde pisam piranhas, empresários e juventude transviada, consegue dividir espaço entre católico, crente e ateu, faz a classe média blindada sair de seus condomínios e se misturar com a tia baiana e eu. O território povoado e sem dono, satisfaz a todas as taras, desejos e fetiches de uma forma bem homogênea e peculiar, ainda que vítima do pouco caso do Estado e abandono, caminha firme com sua história a brilhar. O povo corta as ruas da cidade, as avenidas expressas do Rio de Janeiro.. a Perimetral, a Av Brasil, a Linha Vermelha.. sem medo. Inconseqüente, assíduo todos os finais de semana, traz no bolso as chaves de casa, a identidade e uma banana. O importante é estar lá, e ser mais um naquele amontoado de gente, contaminada pela insônia, com sorriso largo no rosto, bronzeada da praia e contente.

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