2 de novembro de 2009

CARTA-ABERTA: Se o diabo veste Prada, meu padre calça Adidas

Carta enviada a Arquidiocese do Rio de Janeiro em protesto à medida que baniu minha conclusão do sacramento do Crisma na Paróquia de São Lourenço e Nossa Senhora de Fátima.
Rio de Janeiro, 28 de outubro de 2009

Vossa Senhoria Reverendíssima Mons. Luiz Artur Falcão,

A comédia Tartufo, de Moliére, tão condenada pela Igreja Católica no século XIV, por ter como protagonista um integrante do clero um tanto quanto dissimulado, parece ter saído das páginas da literatura francesa e ganhado vida própria numa das paróquias do vicariato da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Digo isso, porque hipocrisia, injustiça e falsos religiosos parecem ter acometido a Igreja que freqüento, em Bangu.

No final do ano passado me matriculei no curso de Crisma, juntamente com uma amiga e minha irmã. Por elas terem passado pelos mesmos problemas e termos ligação afetiva e familiar bastante forte, tomo a liberdade de narrar nas próximas linhas nossa triste jornada na Crisma 2009 na Igreja de São Lourenço e Nossa Senhora de Fátima.

No começo íamos de fato com muito prazer, até para minha surpresa, pois nunca freqüentei a Igreja com tanta assiduidade, mas aquela tinha realmente sido uma forma feliz de voltar a freqüentar as missas e aproximar-me ainda mais de Deus. Entretanto passaram alguns meses e começamos, eu, minha irmã e essa minha amiga, a sentir certo preconceito devido a fatores bastante fúteis e dispensáveis. O propósito inicial de comunhão estava sendo perdido, junto com nossa vontade de freqüentar o curso, muito embora, tenhamos ido até o último dia.

Durante o curso, ministrado por uma ex-praticante de religião afro e da cartomancia, fomos por vezes, postos em voga e criticados por adotarmos em determinados casos uma postura às vezes indagadora, devido em especial, ao fato de já sermos alunos universitários e termos, por naturalidade, maiores questionamentos. Nossas perguntas eram freqüentes, mas jamais faltavam com o respeito ou iam contra os dogmas da Igreja, apenas eram dúvidas pertinentes aos temas tratados e os questionamentos, eram sem dúvida nenhuma, questionamentos de outros alunos, que preferiam absterem-se das dúvidas e encarar o silêncio e a alienação. Gostaria de deixar claro, que desde o começo, esse comportamento foi atribuído e relacionado pelos coordenadores e catequistas, ao nosso grau de instrução. Eu sou jornalista e faço pós-graduação em Jornalismo Cultural na UERJ, minha irmã, Luana, faz Fonoaudiologia na UFRJ e Farmácia na CEFETEQ, ambas federais, e minha amiga Andressa, estuda na UniverCidade e cursa o segundo período de Relações Internacionais. Afirmo, com total seguridade, que o fato de sermos alunos do ensino superior não interfere em nossas crenças. A perseguição por conta disso foi bastante acirrada, a ponto desse assunto ser mencionado por vezes durante as palestras, inclusive pelo próprio Padre, que por sinal, também freqüentou a Academia.

Também no decorrer do Crisma, um fato nos deixou bastante incomodados, e esse foi o estopim para que fôssemos banidos de completar o curso e recebermos o sacramento. Num dos retiros realizados pela pastoral, um jovem de 16 anos, que por sinal é bastante conhecedor da palavra de Cristo e inclusive vemos com freqüência no altar durante as missas, lidando com instrumentos sagrados por ser coroinha, numa conversa informal, faltou com respeito para conosco (me incluo por ter me ofendido perante a maneira com que se referiu a minha irmã). Usando palavras de baixo escalão, termos extremamente vulgares, que fico envergonhado em pronunciar, sugeriu que minha irmã e minha amiga, caso ainda não fossem puras, teriam excelentes performances sexuais assim que a praticassem; narrou experiências sexuais bizarras e extremamente constrangedoras dentro da própria Igreja; e disse conhecer a beleza da genitália feminina através dos pés, apontando para os pés das meninas que estavam a seu redor. Gostaria de deixar claro, que usei o eufemismo para descrever a fala do rapaz, já que os termos usados por ele, estão muito longe desse grau de discrição e respeito. O jovem ainda acusa abertamente o pároco da Igreja de ser um mercenário e só pensar em dinheiro. Como um coroinha se manifesta dessa forma?

Chegamos em casa, contamos a nossa mãe, e pedimos para que não fôssemos ao segundo retiro já que a experiência espiritual havia sido completamente deixada de lado por termos sido abordados por tamanha ofensa. O retiro, que foi massivamente tratado como obrigatório, teve nossa ausência justificada por nossa mãe uma semana antes. A justificativa foi aceita pela coordenadora que não se manifestou contra. Deduzimos que nossa falta havia sido abonada.

Uma semana depois, fomos até a reunião do Crisma, como de praxe, e a mesma coordenadora não aceitou a documentação exigida para completarmos o curso alegando que havíamos sido retirados do grupo do crisma devido a nossa falta (justificada) no retiro. A situação constrangedora foi até o Padre da Igreja, a Vossa Referência Padre Marcelo, que recebeu minha mãe, minha irmã e eu com total arrogância e um discurso bastante irônico, afirmando o que já tínhamos ouvido da coordenadora.

Ao questionar nossa saída com o Padre, ainda fui informado que havia sido feita uma negociação, uma barganha acerca das faltas dos alunos: quem fosse ao retiro teria as faltas abonadas. Em alguns casos, quatro meses de ausência das classes foram justificados pelo simples fato da pessoa ter ido ao retiro. E daí fica a pergunta: Com que propriedade a coordenação do Crisma, sob responsabilidade de nosso Padre fez isso, sabendo que o Crisma baseia-se no Catecismo da Igreja Católica e no Livro da Crisma que permite o crismando faltar apenas até 25% do total de aulas?

Gostaria de ressaltar ainda, que eu, Andressa, e minha irmã, fazíamos parte de uma pequena gama de no máximo meia dúzia de jovens que participavam ativamente das classes, lendo trechos da Bíblia quando solicitados e apresentando os trabalhos em grupo. Além disso, eu e minha irmã e apenas mais um dos 40 jovens desse grupo de Crisma, entregamos um trabalho obrigatório acerca de outra pastoral. Além da discriminação por nosso grau de instrução, por vezes, ouvi críticas da catequista acerca da marca do meu tênnis (Adidas), que por sinal, é da mesma nacionalidade de peças de roupas e acessórios que o próprio Padre Marcelo veste.

Passado o ocorrido já não pretendemos concluir o Crisma, mesmo que não tivéssemos sido banidos pelo Padre. Cumprir um sacramento diante de toda essa situação é completamente infundado e sem sentido.

Gostaria de humildemente questionar:

* Faltar a um retiro mesmo com justificativa é pior do que faltar com o respeito a fiéis dentro das imediações da Igreja, usando termos vulgares e eróticos?

* O histórico religioso da família e a conduta do crismando durante o Crisma e sua participação não são levados em conta nessa hora?

* Fazer perguntas sobre temas em discussão, só por serem polêmicos é proibido dentro da Igreja?

* Onde está a vocação de nosso Padre, que nos atendeu com total frieza e arrogância?

* Como as catequistas devem ser preparadas para ministrar o Crisma? Ouvir, na íntegra e exatamente com esses termos, que “homossexuais são animais” e que “camisinha não previne DSTs, sequer a AIDS” é bastante complicado para quem tem acesso à informação.

* Que critérios são usados para se excluir um crismando do curso? Afinal de contas existem jovens que faltaram o triplo de vezes que eu faltei.

Enfim, me senti perseguido, sofri discriminação, fui constrangido e injustiçado por uma instituição que julgava ser imparcial, justa e agregadora. O que vi não foi isso. Recorro a arquidiocese do Rio de Janeiro para que encontre uma explicação e uma justificativa digna e pertinente à minha exclusão do curso de Crisma. A indiferença do Padre frente à situação descrita acima me deixou boquiaberto e infelizmente manter-se indiferente a maior autoridade da paróquia frente a essa situação é inaceitável. Afinal de contas, casos de pedofilia e assédio sexual dentro da Igreja, envolvendo inclusive o clero, os jornais já estão cheios. Tenho fé de que alguma providência seja tomada, bem como eu, estou certo que a Igreja Católica busca fiéis e tementes a Deus de verdade e não Tartufos medíocres e dissimulados.




André Luiz Lobo de Barros



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