4 de julho de 2009

E a famosa feijoada da Tia Surica na Portela...

Quem freqüenta já chega no clima, os novatos, trocam uns passinhos cautelosos en- tre a cambada sambista da nação portelense. Aos poucos já não se sabe mais quem é do ninho da águia e quem apenas voa de pas- sagem pela quadra da escola. A farra começa cedo, no começo da tarde, os primeiros foliões fora de época vão chegando e se amontoando na Avenida Clara Nunes, iluminada por Clara e guiada pelos orixás do candomblé que semeiam a paz e o axé no esquenta forte do caldo preto da feijoada da Portela.

Os pratos são caprichados, o valor do almoço não tão salgado quando a comida, arretada feito pelas baianas da escola, sob comando de dona Surica, que segue experiente e mansinha, doce e sorridente os passos de dona Vicentina, a inventora da famosa feijoada da Portela na zona norte.

A velha guarda leva animada a tarde da galera, que não para um minuto sequer, exceto depois de uns copinhos a mais da branquinha safada para tirar a água do joelho. O clima de paz e família toca os corações agitados e sedentos pelo samba de raiz no subúrbio do Rio.

E lá se vai mais uma tarde de sábado no quintal da tia Surica, as 16h, o feijão engrossado já saciou a fome da rapaziada, que entre um gole e outro de cerveja, samba no sapatinho ou mais amalandrado, o samba quente entoado pelos bambas da azul e branco de Oswaldo Cruz e Madureira.

A quadra fica cheia, e ao entardecer, as mesas e cadeiras que suportaram famintas os alguidares e pratos de feijão dos festejos, agora descansam enfileiradas na pilastra, abrindo espaço para a moçada contente sapatear nos quadrados de cimento do chão que ferve no esquenta dos pandeiros. Os cabelos bem presos, trançados, mas bem armados, das mulatas cor de bom-bom saculejam com o repique quente do tam tam. As bundas bem fartas e semi escondidas em pequenos pedaços de pano, vulgarmente chamados de vestidos de malha fria, não escondem nada, além dos olhares irrequietos e pontiagudos discretíssimos de uns e outros marmanjos que não se aguentam ao sangue da brasileira passista. Os malandros, antes negões da Lapa, hoje já se travestem mais discretamente e agremiaram uma legião de fãs da branquitude carioca, que sob um chapéu panamá do Mercadão de Madureira ou uma boina daquelas luso-espertalhonas dão um ar refinado à roda de samba do Zeca, como foi batizada anos atrás a festinha de sábado. A rua fica lotada, os mais atrasadinhos, contam com a sorte e a boa vontade dos vizinhos da escola de samba para conseguir uma vaguinha para estacionar o carro.

No altar do batucada, um bom grupo de samba de raiz relembrando os enredos da escola, e mais acima, como guias, duas imagens tímidas, mas poderosas criam um ar de santidade do local: uma santinha acatada dividindo seus olhares entre os sambinhas mais comportados e as esvoassantes manobras das saias mais ousadinhas e do outro lado, o padroeiro da cidade do Rio, Oxossi para espíritas, São Sebastião para católicos. O poder, a fé e a paixão no mesmo lugar, na quadra da águia raçuda da Portela, que presente no abre-alas de todos os desfiles pelo Sambódra- mo, tem conseguido chegar ao topo da montanha das 10 mais e a cada ano alçando voos mais altos, esperando a sorte e a justiça para a conquista do primeiro lugar da mais impecável a passar pela Marques de Sapucaí. Enquanto o título não vem, os sábados animados sem dúvidas conquistam o primeiro lugar da alegria e da animação carioca, sob samba, curriola, cuícas e o gingado arrepiante do povo brasileiro. Até as oito horas da noite, pelo menos, o bicho pega e a galera firme e forte só arreda o pé da festa depois do último batuque anunciar o final da comilança.



Um comentário:

Camila Lopes disse...

"São 21 estrelas que brilham no meu olhar. Se eu for falar da Portela não vou terminar"...O ambiente do samba é mesmo incrível, único, incomparável, mágico, profano e sagrado...rsrs. Me senti lá lendo isso.