23 de junho de 2009

Artigo: Carta a Gilmar Mendes

Por Mario Marques, Jornal do Brasil (23/06/2009)

Senhor Gilmar Mendes, venho por meio desta contar-lhe algumas coisas. A primeira delas, a mais importante: não sou cozinheiro. Mesmo que fosse caberia muito bem, além do avental, uma formação acadêmica nessa alta gastronomia cada vez mais sofisticada e avessa a amadores. Mas o que tenho a dizer ao senhor, Senhor Gilmar Mendes, é que, como disse o ministro Joaquim Barbosa, o senhor precisa “sair à rua” para saber o que milhares de jornalistas formados e a se formar estão pensando do senhor.

Aqui mesmo, Senhor Gilmar Mendes, tenho dois estagiários que perderam o rumo diante de sua decisão soberana de dispensar o diploma universitário para exercício do jornalismo. Se o Senhor e seus pares queriam ajudar alguma empresa de comunicação, algum amigo, algum parente, o Senhor poderia ter posto nessa lei tosca a turma da antiga, os comentaristas de futebol, os apresentadores parasitas, os radialistas. Mas os jornalistas de formação, Senhor Gilmar Mendes, os que gastaram sapato, mufa, horas de suas vidas nos bancos da universidade, esses, Senhor Gilmar Mendes, entre os quais me incluo, estão fulos da vida.

Nós, Senhor Gilmar Mendes, viramos os palhaços do país. Não fosse nossa categoria já tão aviltada, com sindicatos fracos, omissos e nossas forças complacentes, ainda aparece o senhor, Senhor Gilmar Mendes, para destruir sonhos, credibilidade e tudo o mais que esta profissão carrega em sua história.

Andei fazendo umas contas, Senhor Gilmar Mendes. Somados mensalidades, passagens, alimentação, livros etc, eu e meu pai devemos ter gastado uns R$ 40 mil nessa brincadeira de faculdade de jornalismo. Dinheiro, agora sei, Senhor Gilmar Mendes, dispendido à toa. Quando engatei na quimera de ter o canudo em casa, Senhor Gilmar Mendes, todos me diziam que o jornalismo era a profissão do futuro.

Se eu soubesse que o senhor surgiria em meu caminho, Senhor Gilmar Mendes, teria escutado meu pai, que emitia um mantra a me acompanhar – “termine a faculdade de direito e ingresse num emprego público”. Tardiamente, vejo que ele estava absolutamente certo. Eu poderia, quem sabe, estar no seu lugar, Senhor Gilmar Mendes. E ter lutado contra essa iniciativa grotesca.

Achei, na minha vã ingenuidade, Senhor Gilmar Mendes, que os jornais e TVs se insurgiriam contra essa sua decisão já no dia seguinte. Que teríamos onde gritar contra este escárnio. Mas, depois, Senhor Gilmar Mendes, atentei para o fato de que provavelmente o senhor já teria, obviamente, um aceno simpático dos veículos. Nós, jornalistas, chegamos ao limite da humilhação. Se o senhor, Senhor Gilmar Mendes, quiser saber o que hoje os jornalistas pensam do senhor, Senhor Gilmar Mendes, dê as caras numa redação. Melhor: vá participar de um debate numa universidade, Senhor Gilmar Mendes. Saia à rua, Senhor Gilmar Mendes.

Porque nesta carta ao senhor, eu me recuso a reproduzir todos os seus argumentos e os de seus pares naquela fatídica audiência do STF para defender esse dejeto jurídico. As analogias absurdas, as metáforas cansadas, os lapsos de memória histórica, a ignorância no tema, a certeza do absurdo. Não dá para se perder tempo com o show de desconhecimento da profissão do jornalista. O papel é muito caro, Senhor Gilmar Mendes.


Publicação do texto com autorização do autor.

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