3 de junho de 2009

PENSANDO O JORNALISMO CULTURAL

Trabalho feito por André Luiz Barros e apresentado ao prof Geraldo Condé - Sociologia da Arte do curso de especialização lato senso em Jornalismo Cultural da UERJ (1º SEM 2009)

As páginas de cultura dos jornais de hoje estão cada vez mais restritas a mera divulgação de releases de produtores artísticos e prensadas sob a barbárie do jornalismo diário, acabam reféns do factual. Considerável montante das reportagens e artigos voltados à cultura exclui parcela da população. Tão quanto na realidade, o jornalismo cultural está às avessas, dando suporte ao apertheid cultural do Brasil, pois segrega e deixa de fora de seus cadernos a cultura de massa, que prove a rotina dos guetos de nosso país.

No Brasil, a falta de especialização dos profissionais que trabalham com cultura, somada a rede informacional que apenas cria “leads” sem muita dimensão acerca de, filmes, peças e livros, mostra a ausência de alguns estudos voltados ao campo. Tomados como suporte de leitura, os jornais são usados como meios de busca de pesquisa e ultimamente como fonte de dicas de cultura e entretenimento.

Atualmente, tanto os jornais impresso quanto os virtuais lançaram mão da crítica literária, e pressionados pelo mercado capitalista, abdicam da identidade cultural e criam um convênio perigoso com suas fontes de informação.

Essa questão mostra-nos a importância de se discutir uma sociologia da arte, voltada a entender a recepção, a mediação, a produção e as próprias obras juntamente ao campo social ao qual estamos imersos.

No primeiro momento um breve histórico do início dos suplementos literários na década de 50 é exposto. Em seguida, inicia-se uma reflexão sobre o jornalismo cultural como um todo, problematizando a pressão sofrida pelas páginas de cultura frente a indústria cultural e a conseqüente exclusão da cultura de massa desses cadernos. Por fim, segue uma síntese analítica sobre a sociologia da arte e como os estudos específicos do tema podem qualificar os profissionais do setor, através do maior conhecimento sobre a mediação e a recepção da arte, do ponto de vista dos produtores, receptores e mediadores. Um debate sobre o modelo norte-americano de produção da notícia e a necessidade crítica dos jornalistas culturais também é lançado no decorrer do texto.



O gênesis dos suplementos literários:

A produção intelectual da década de 50 foi profundamente marcada pelo debate de idéias políticas. Com o pós-guerra e o funcionamento do regime democrático, houve uma maior liberdade de expressão, o que repercutiu num crescimento da criatividade e da análise psicológica. Os suplementos literários eram usados principalmente por intelectuais para divulgarem suas idéias e conceitos, que usavam esse meio por se ter um fluxo comunicacional bastante significativo. A década de 50 foi o auge dos suplementos, em contrapartida, um tempo de grande transição para a imprensa.

Os suplementos literários eram escritos por intelectuais da época que acabaram formaram redes de sociabilidade. Em determinado momento os jornais tiveram inclusive a participação de colaboradores do meio cultural, que escreviam análises críticas sobre a cultura com objetivo de divulgar a arte. Esses colaboradores eram tidos como intelectuais criativos e apesar de não serem remunerados, ganhavam reconhecimento social, afinal nessa década, ser escritor tinha grande valor e significação. Tamanha era a importância dada à cultura na época, que os jornais que não tinham suplementos literários, tinham espaços abertos dedicados ao tema.

Nessa década, no entanto, surgiu a figura do copidesque e a adoção de um jornalismo norte-americano, voltado à informação e a imparcialidade. Com o surgimento dos profissionais da imprensa, os colaboradores acabaram perdendo espaço. Saindo do mundo universitário com reconhecimento social da profissão e treinado aos dogmas da pirâmide invertida e do lead, os suplementos ganharam uma nova cara e uma nova dimensão.

Os suplementos não foram criados como espaços de conflitos, na verdade foram acolhedores de diversas linguagens das ciências humanas que não tinham aceitação nas universidades. O movimento de profissionalização dos jornalistas acabou priorizando a notícia em detrimento à opinião e os suplementos deixaram de ser espaços de críticas para espaço de lançamento de bens culturais, assim denominadas por Adorno. Os intelectuais e artistas perderam lugar para jornalistas especialistas que começaram então a produzir matérias e resenhas sobre a cultura.

Para Ledo Ivo, estudioso da história da imprensa, a crítica literária desapareceu dos jornais e o que existe atualmente é a literatura de resenhas, feita por jornalistas.



Refletindo o jornalismo cultural:

O atual jornalismo cultural praticado no mundo é bastante criticado, principalmente por quem conheceu o surgimento dos suplementos literários. Se de um lado está a necessidade da arte de buscar espaços de veiculação, do outro está o espaço propriamente dito regido por regras forazes de edições e de imparcialidade.

O jornalismo dedicado a cultura atualmente, sem generalizações, nada mais faz que comprar o que a indústria cultural vende. A cultura popular é explicitamente deixada de fora, bem como qualquer forma de arte adjeta dessa indústria dos bens culturais.

Criado para atender de maneira mais profunda a uma demanda segmentada, o jornalismo cultural cobre a arte e em seu novo viés, o entretenimento. O gosto, tão discutido por Nathalie Heinich, Pierre Bourdieu e outros estudiosos do âmbito cultural, na verdade foi deixado de lado, desertado das páginas “culturais” dos jornais.

O espaço utilizado como produção intelectual artística, se perde nas entrelinhas da arte burguesa, dita por letrada, e deixa à margem a cultura de massa e a própria cultura popular, que acaba sendo tratada pela mídia nos cadernos de polícia, vide o caso dos bailes funk e festivais de música eletrônica por exemplo.

A ausência de conhecimentos voltados à formação dos gostos é refletida dessa maneira, de forma clara e direta. Pierre Bourdieu diz que o habitus é constituído de um tipo material de esquema que está ligado a um sistema de distribuição desigual, baseados em três conceitos: hábito, campo e reprodução. No texto, “Gostos de classes e estilos de vida”, O sociólogo traça um panorama sobre o discurso dos gostos, providos segundo ele, principalmente por duas instituições, a família e a escola. Essa questão, no entanto, pouco é levada em consideração. Em sua lógica de urgência, o jornalismo de cultura não consegue cobrir a cultura como um todo, privilegia apenas parte dela.

O jornalista e pesquisador argentino Jorge Riviera define o jornalismo cultural como

[...] uma zona muito complexa e heterogênea de meios, gêneros e produtos que abordam com propósitos criativos, críticos, reprodutivos ou divulgatórios os terrenos das ‘belas arte’, as ‘belas letras’, as correntes do pensamento, as ciências sociais e humanas, a chamada cultura popular e muitos outros aspectos que têm a ver com a produção, circulação e consumo de bens simbólicos, sem importar sua origem ou destinação (RIVERA, 2003, p. 19).

O estudioso conceitua o jornalismo cultural e mostra que a temática desse segmento de jornalismo vai muito além da cobertura das chamadas sete artes.

O melhor jornalismo cultural é aquele que reflete lealmente as problemáticas globais de uma época, satisfaz demandas sociais concretas e interpreta dinamicamente a criatividade potencial do homem na sociedade (RIVEIRA, 2003, p. 11).

Atualmente, um debate nacional está engajando a sociedade civil em especial aos profissionais da imprensa: a obrigatoriedade do diploma universitário para exercício da profissão de jornalista. Na década de 50, os intelectuais podiam expressar suas opiniões com propriedade e liberdade para escrita, como então conseguir ser crítico de arte e seguir as regras de imparcialidade do jornalismo?

Para falar de arte, faz-se necessário conhecê-la. A sociologia da arte surge então como uma forma de estudar e entender como as representações, mediações e recepções da arte se colocam na sociedade e ainda serve como uma ferramenta que pode desbravar um olhar mais amplo sobre o cotidiano da cidade e suas formas de expressões artísticas, englobando a cultura letrada e a cultura popular, já que ambas se comunicam e representam uma estratificação social.

Os estudos da sociologia podem promover uma abertura da consciência humana para a criação de debates e dissertação de análises temáticas mais firmes e com conteúdo. A mera divulgação de filmes em cartaz nos cinemas, de lançamentos de best sellers não garante ao leitor nada além do que a oferta de novos produtos que podem ser comprados e alcançados através do capitalismo.

Em grande parte dos veículos de comunicação o que se vê é exatamente essa feira de produtos culturais, sem análise, sem uma explicação sobre a interação social entre a obra e o público, ou a obra e o autor. O que há é notícia. Boa parte dos cadernos culturais cria até um ranking de livros mais vendidos ou filmes mais assistidos, induzindo seu leitor não pela qualidade, mas pela vendagem ou tiragem de determinado bem cultural.



Eis que surge o grande desafio:

A socióloga Nathalie Heinich propôs no livro A Sociologia da Arte, um debate sobre a relação social entre arte e sociedade. Ela divide a história desses estudos em três gerações. A estética sociológica, que não tem empiria e de cunho filosófico; historia social da arte, contexto que evoluiu o binômio autor/obra e que tem um formato mais empírico e sociologia de pesquisa, que pensa a arte como sociedade, deixando de lado a visãcomo sociedade, deixando de lado a vis arteu o binomio o da arte como obra divina e adotando a idéia de arte como interação social.

Através da sociologia da arte conseguimos entender e avaliar o impacto da arte na sociedade e a interação entre os receptores e a obra, bem como os produtores e os mediadores, abrangendo todas as estratificações sociais além dos olhares sobre a arte e as técnicas envolvidas em sua confecção.

Heinich detém a idéia de uma sociologia pragmática que se preocupa com o momento, analisando-o, pensa os objetos sociais como máquinas e os seres humanos como atores sociais e não mais como sublimes. A autora defende a incorporação dos discursos que acompanham as obras pelos críticos, analistas, historiadores e pelo próprio público.

Pensar a arte como forma de interação social e o artista e o público como atores sociais pode promover aos jornalistas, tão quanto aos sociólogos, uma nova forma de reflexão, consagrando um novo olhar sobre a cultura como um todo. Especializando-se em arte e discorrendo nos cadernos de cultura com mais propriedade analítica, sem perder o inefável fado de seguir as regras impostas pelo jornalismo diário. “Voltando-se para uma direção mais antropológica e pragmática, estendida a compreensão das representações e não mais somente à explicação dos objetos ou dos fatos” (HEINICH, 2001, p.156).



Em suma:

O jornalismo cultural pede hoje, no limiar de qualquer ação, uma resenha conceitual sobre si mesmo, uma reformulação consciente. A cobertura jornalística na área de cultura precisa ser vista alem da dinâmica factual e direta, precisa ser questionada e limpa do espetáculo e dos delírios das assessorias de imprensas, com seus releases em formato de matérias pré-feitas a serem coladas e dispostas nos veículos de comunicação quase que na íntegra.

Através dos estudos aplicados da cultura, da sociologia e da própria comunicação social pode haver a promoção de uma nova linha de raciocínio, que construa um novo comportamento midiático frente à arte e ao próprio entretenimento, fugindo das pressões capitalistas dos produtores e seus patrocinadores, mantendo a ética profissional e as regras quase que impossivelmente burláveis e quebradas do modelo norte-americano.

A sociologia da arte pode trazer uma ruptura ao jornalismo cultural, deixando de lado as falhas praticadas atualmente, qualificando seus profissionais e abdicando da doutrina da noticiabilidade, extremamente segregadora, manipuladora e injusta.

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