3 de junho de 2009

"Prima" da torre Eiffel desaparece

Por André Luiz Barros, Jornal do Brasil (20/05/2009)

Sumiu do Engenho de Dentro uma rara memória da Exposição Universal de Paris de 1889, evento que comemorou o centenário da Revolução Francesa e inaugurou a Torre Eiffel e foi um dos marcos da indústria moderna. No local, serão construídos oito prédios e um total de 898 apartamentos, previstos para o fim de 2010.
Descobertas ao acaso em 1994, por um grupo de arquitetos durante o projeto de estruturação urbana do Méier, o que foi registrado em matéria do JB, as Oficinas de Trajano, como se tornaram popularmente conhecidas, eram um galpão de 220m de comprimento. Aparentemente, virou sucata ao perder terreno para interesses comerciais e imobilíarios.
Até poucos anos atrás, esse marco histórico da capital francesa podia ser visto por quem cruzasse o subúrbio do Engenho de Dentro (Zona Norte), na Avenida Dom Hélder Câmara. A grande peça ficava num terreno da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) e foi usada como a fábrica de bondes do empresário Trajano de Medeiros. Depois da privatização da RFFSA, os terrenos foram alienados e o local acabou vendido ao supermercado Sendas, em 1999.
As estruturas metálicas chegaram a ser tombadas provisoriamente pela prefeitura do Rio em 1996, mas o ato revogado em 2005, pelo então prefeito César Maia. Segundo ele, as ferragens deveriam ser guardadas por sua antiguidade.
Só que não havia mais essa obrigação por parte dos donos. De acordo com a Secretaria Municipal de Urbanismo, após o destombamento, as restrições administrativas cessam. A demolição foi licenciada pela própria prefeitura.
As Casas Sendas foram procuradas pela reportagem do JB desde sexta-feira, por e-mail e telefone, mas, segundo sua assessoria de imprensa, o responsável pelo assunto não poderia atender à entrevista, por motivos de trabalho.
A diretora do Colégio Estadual Olinto da Gama Botelho, Elizabete Carvalho, trabalha há 30 anos na escola, que fazia limite com as construções metálicas, e foi testemunha viva do definhamento da área.
– O terreno ficou completamente abandonado. Havia segurança noturna, mas ela não impedia que pessoas pegassem materiais e ferro lá de dentro, não havia uma manutenção devida – comenta a diretora. – É uma pena ver parte da história mundial desaparecer.
Segundo a educadora, as paredes foram demolidas e as estruturas retiradas.
– Cheguei a falar do que aquelas estruturas se tratavam e até perguntei para onde elas iriam. Até hoje não sei que destino deram ao galpão – desabafa Elisabete.
Apesar do esvaziamento da área, nada foi construído pela rede de supermercados. Ninguém sabe ao certo aonde a estrutura foi parar.
Depois de ficar abandonado por quase 10 anos, o terreno novamente foi vendido. A compra foi feita pelo grupo Klabin Segall, que começou a construir um empreendimento imobiliário no final de 2007. O engenheiro responsável pelas obras da empresa, Marcelo Nicolau, garante que hoje não há mais nenhum material do gênero no terreno:
– As obras começaram no final de 2007. Hoje, posso garantir que não existe qualquer estrutura de ferro na área – afirma. Segundo a assessoria de imprensa da Klabin, as estruturas já haviam sido demolidas antes da aquisição.
O grande pavilhão metálico era uma das únicas peças da Exposição Universal de Paris ainda de pé em todo o mundo, além da Torre Eiffel. A estrutura faz parte de um pavilhão montado num terreno de quase 1 milhão de metros quadrados cortado pelo Rio Sena na capital francesa e foi utilizado para guardar materiais e hospedar operários do evento.

Exposição Universal de Paris sinalizou modernidade

O galpão construído em Paris e encontrado intacto reavivou a história da arte mundial escondida durante décadas na Zona Norte do Rio. Para historiadores, as estruturas metálicas eram peça fundamental na sinalização da modernidade. O Comissariado Brasileiro do ano da França lamenta o desmonte das estruturas.
Para a diretora da EBA (Escola de Belas Artes da UFRJ), historiadora e crítica de arte, Ângela Âncora da Luz, as Oficinas de Trajano, como foram batizadas aqui no Rio, eram parte da memória do início de uma nova fase artística.
– As estruturas pertenciam a uma exposição tida como uma sinalização da modernidade que se instaurava na época. Eram emblemáticas pela sua historicidade e pelo que elas representaram, os conceitos de liberdade e igualdade.
Segundo a diretora da EBA, a Exposição Universal iniciou um processo de revolução que despertou impulsos nacionalistas do início do século 20.
– Foi uma exposição marcante dentro da história da arte e da história cultural. Ela despertou aqui no Brasil um ideal de progresso – comenta Ângela.
O Comissariado Brasileiro do Ano da França também ficou penalizado pela falta de informação sobre as estruturas. Para Beatriz Leandro, integrante do comissariado, uma série de projetos poderia ser implantada no local, caso a peça ainda estivesse de pé.
– Certamente iríamos usar o local na zona norte para cobrir outro tipo de público – declara.

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